'Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, não fora a mágica presença das estrelas!" (Mário Quintana)
 

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terça-feira, outubro 14, 2008
Opções
Comecei bem cedo minha vida escolar. Embora, em meu tempo de criança não fosse comum, em minha casa todos foram à escola desde o jardim da infância, numa excelente escola escolhida por meus pais. Eu adorava! Fazíamos teatro (lembro ainda da turminha representando a música "A linda Rosa Juvenil", eu era um dos matinhos crescendo), participávamos da bandinha (adorava tocar triângulo e reco-reco) e, no lanche, meu preferido era pão com carne moída bem quentinha. Eu devia ter entre quatro e cinco anos.
Aos seis anos, no meio do ano, tive de fazer uma pausa, por ter ficado doente e paraplégica. Voltei aos nove, no melhor lugar para minha reabilitação e estudo, a AACD. Minha mãe, sempre preocupada com a educação, alfabetizou-me em casa. Pulei a primeira série, entrei logo na segunda. Meu dia na AACD era repleto de atividades: pela manhã, estudo; à tarde, lazer, fisioterapia, atividades extras que me faziam interagir com as outras crianças, de todas as idades e deficiências.

Depois da AACD, meus pais não tiveram muitas opções, pois tive de estudar, primeiro, numa escola que possuía rampas, longe de casa, depois, numa onde me "aceitaram". Tive muita sorte, pois na época, não existia lei alguma que garantisse às crianças com deficiência o estudo em escola regular e, ainda assim, meus pais encontraram uma diretora que se dispôs a mudar uma turma inteira de sala, somente para me receber. Minha sorte foi ainda maior, pois fiz excelentes amigos, daqueles pra vida toda, e tive professores inesquecíveis. Mais sorte ainda por, mesmo sendo a única com deficiência, jamais ter sido discriminada ou sofrido preconceito.

Se meus pais não tiveram opções, eu tenho.

Ricardinho, meu filho, vai à escola desde um ano e dez meses. Hoje, na terceira série (4°ano), já mudou de escola várias vezes. Ele não tem deficiência alguma, as escolas não lhe recusam a matrícula, assim posso escolher a que acho melhor para ele. É um menino extremamente inteligente, questionador, com fome de informação.

Recentemente, no meio do ano, Ricardo mudou para uma nova escola. Embora a anterior possuísse laboratórios de informática bem equipados, iniciação à robótica, portal eletrônico, tudo para atender as necessidades de nosso tempo, faltava o principal: recurso humano. Faltava professor com autoridade, com vontade de ir além das apostilas e da decoreba. Faltava incentivo à leitura, à escrita, à cultura e a tudo que desenvolvesse o aluno no todo. Sua escola nova não possui a imponência da antiga, nem tanta tecnologia. Professores, diretoras e funcionários conhecem os alunos e pais pelos nomes. Não há câmeras vigiando os alunos por toda escola, mas sim inspetores cuidando deles. As cartinhas de ocorrência não são a maior arma do professor, mas sua autoridade em sala e sua didática dinâmica, atenta às diferenças de cada um. É uma escola aberta à diversidade humana, que recebe alunos sem distinção, pois ter ou não deficiência é apenas parte das características individuais do aluno. Acredito ser esta a melhor opção pra ele, no momento.

Aprendi com todas essas mudanças o quanto é importante poder escolher o melhor para meus filhos e que nem sempre o melhor para uma criança, é o melhor para outra.
Muitos pais, ainda, assim como os meus, não têm o direito de escolha, pois muitas escolas ainda recusam matricula aos "diferentes", alegando não estar preparadas. Porém, as escolas também não estão preparadas para crianças como Ricardo. São escolas que preferem o aluno mediano, aquele que copia o que é imposto, sem questionamentos ou interesse por ir além da matéria dada, enfim, o que não dá trabalho e nem exige mais do que a velha fórmula de ensino possa dar. Escolas que fingem que os tempos não mudaram, que as crianças não mudaram e que, apesar de toda tecnologia e recursos que possuem, se assustam com o novo, insistindo em negar que cada ser é único e que somente através do convívio com as diferenças é que aprendemos a ser pessoas completas.

quinta-feira, outubro 02, 2008
De volta ao meu aconchego

Depois de ouvir dela que meu blog mais parece lagoa que Maré, e que há o risco de criar mosquito da dengue por aqui, decidi mexer nas minhas águas.

Não tenho um texto novo ainda, então publicarei uma entrevista bem legal que dei há uns dois anos, quando lancei meu livro:


A Lição de Marcela
Maria Angélica de Moraes
Apresentar os cadeirantes como pessoas comuns. Foi esse o objetivo de Ângela Carneiro e Marcela Cálamo quando escreveram Rodas, pra que te quero! (Editora Ática). Baseado na infância de Marcela, paraplégica desde os seis anos de idade, o livro traz a história de uma garota que tenta seguir sua vida mesmo depois de uma doença que a obrigará a usar cadeira de rodas pelo resto da vida.
Embora seja pontuada por alguns momentos de pura ficção, a obra é um retrato bastante fiel das dificuldades enfrentadas por Marcela em sua infância. "Alguns livros infantis descrevem as crianças deficientes como crianças especiais. Mas se ela é especial, ela é diferente, e isso é tudo que nós não queremos. A gente quer ser igual a todo mundo", conta a autora. Confira a entrevista exclusiva que ela concedeu ao Zine.

ZINE - Como você ficou paraplégica?

Marcela Cálamo - Eu tinha seis anos. Num momento estava andando e no outro não mais. Quando senti minhas pernas perdendo firmeza, meus pais me levaram ao médico da família, em Santos, onde morávamos. Fui andando à casa do médico e cheguei nos braços de meu pai, já sem poder andar. Há cerca de quatro anos, soube através de uma ressonância que minha lesão foi causada por um forte infecção que atingiu minha medula.

ZINE - Que sentimentos você teve desde que parou de andar?

Marcela - Por ter ficado paraplégica muito novinha, não pensava muito em minha nova condição. Fui crescendo dentro dessa nova realidade e me adaptando a ela naturalmente. Até meus 14 anos, acreditava que voltaria a andar, talvez pelo fato de meus pais buscarem todas as alternativas possíveis de cura pra mim. De repente, parei de pensar nisso, sem sofrimento, sem trauma, simplesmente parei de pensar. A vida continuou em seu curso, sempre me trazendo o melhor.

ZINE - Como foi aprender a ter os movimentos "diferentes"? Como foi a participação da família e quanto tempo durou a adaptação?

Marcela - Crianças são seres altamente adaptáveis e assim foi comigo. Eu era uma criança muito ativa e feliz e a minha nova condição não mudou isso. Depois da fase hospitalar, que durou quatro meses, veio a reabilitação na AACD, em São Paulo, três anos essenciais em minha vida . Nesse período aprendi que deveria achar jeito de fazer tudo que quisesse e não ficar esperando que me dessem tudo nas mãos ou que fizessem por mim. Essa também foi a orientação dada a meus pais, para que eu pudesse ser o mais independente possível. Minha mãe não me tratava de forma diferente da que tratava meus irmãos e exigia de mim as mesmas coisas, impunha as mesmas obrigações, era linha dura. Meu pai fazia de tudo pra que eu me divertisse como antes. Eu amava andar de bicicleta. Uma vez, depois da paraplegia, ele me deu de presente uma bicicleta nova. Quando íamos à chácara de minha tia, ele me colocava na bicicleta, ficava ao lado me segurando e descíamos um ladeirão que tinha na rua dela. Era demais e eu nem sentia falta de pedalar. Continuei a brincar na rua junto com minhas irmãs e irmão, a ir à escola, como qualquer outra criança. A fase da reabilitação também foi importante pela convivência com outras crianças com deficiência, por ver que eram iguais a mim e a quaisquer outras crianças, felizes.

ZINE - Como você vê a questão do preconceito?

Marcela - Preconceito é gerado por falta de informação, de conhecimento, de convivência. Acho que tudo que é novo assusta e, muitas vezes, afasta as pessoas. É comum sim, numa determinada faixa etária, a fase das baladas principalmente, perder "amigos". As pessoas, em geral, não sabem como lidar com a nova situação, sentem-se pouco à vontade, enchem-se de dó e acabam se afastando.

ZINE - Quais as maiores dificuldades você enfrentou e ainda enfrenta como cadeirante?

Marcela - As maiores dificuldades ainda são as físicas. Onde quer que se vá, sempre há algo que impede ou dificulta as ações de um cadeirante. Degraus, banheiros não adaptados, portas estreitas, rampas muito inclinadas, carpetes, balcões altos, provadores minúsculos, etc. As cidades, em geral, estão muito longe de preparadas às pessoas com deficiência. Embora haja muitas leis em prol da pessoa com deficiência, na prática a coisa funciona lentamente. Temos leis de cotas de emprego, mas não temos transporte adaptado suficiente para chegar ao trabalho. Temos direito a vagas de estacionamento reservadas, mas raramente as encontramos desocupadas, pois pessoas sem deficiência as ocupam primeiro. Claro que muitos avanços foram conseguidos, mas ainda há muito a se fazer e cobrar.

ZINE - Que atitudes uma pessoa que não é portadora de deficiência nunca deveria tomar frente a uma portadora de deficiência (que poderia ofendê-la)? E que atitudes são as mais corretas, que demonstram respeito e não preconceito, pena ou compaixão?

Marcela - As pessoas, em geral, diante de uma pessoa com deficiência tem o impulso de ajudá-la, porém, nem sempre precisamos de ajuda. O correto sempre é oferecer ajuda, perguntar como ajudar, antes de ir pegando, empurrando, levantando a cadeira de rodas. Outra coisa importante é sempre falar diretamente com a pessoa e não com seu acompanhante. Quanto ao preconceito, pena, compaixão, acredito que isso deixa de existir com a convivência. Quando for comum vermos pessoas com todo tipo de deficiência entre todos, trabalhando, estudando, divertindo-se, esses sentimentos deixarão de ser despertados.

ZINE - Como foi a sua adolescência? Poderia ressaltar pontos bons e ruins?

Marcela - Costumo dizer que sempre tive muita sorte e que a vida é muito generosa comigo. Graças a ter pessoas especiais em meu caminho, família, amigos, tive uma adolescência com os mesmos conflitos e alegrias de qualquer outro adolescente. Estudava, fazia parte de um grupo de jovens na Igreja Católica e com essa turma me divertia muito. Era o tempo dos bailinhos na casa de amigos, barzinho com música ao vivo, raro era o final de semana sem algo pra fazer. Nessa fase conheci meu marido, que freqüentava um grupo de jovens de outra paróquia.

ZINE - Hoje você é casada e tem filhos. Poderia dar algumas dicas/lições para quem ainda está no começo da vida adulta (adolescentes) e é portador de alguma deficiência, mas ainda está com dificuldades de aceitar ou até mesmo um certo medo do futuro?

Marcela - Na adolescência, aceitei o convite de minha amiga Mary para participar do grupo de jovens. Por participar dele, conheci Benê e com ele me casei e formei uma linda família. Depois da faculdade, uma outra amiga, também desse grupo de jovens, sugeriu que eu desse aulas particulares. Aceitei e dou aulas há quase 20 anos. Quando frequentava chats na Internet, um amigo virtual sugeriu-me fazer um blog. Experimentei e descobri que tinha muito a escrever. Tanto que do blog meus textos se espalharam. Quem sabe que vida eu teria se tivesse recusado o convite de minha amiga Mary para fazer parte do grupo dela? Ou se eu não tivesse começado a dar aulas ou feito meu blog? A vida é feita de oportunidades, precisamos estar atentos e dizer sim a elas, sem medo do novo.