'Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, não fora a mágica presença das estrelas!" (Mário Quintana)
 

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quarta-feira, março 24, 2010
Ser criança

Não fui uma criança muito levada, mas fui muito feliz, aprontando as minhas artes também.
Quando morava em Santos, antes da deficiência, enlouquecia minha mãe com o jeito de andar de bicicleta. Queria saber qual meu ponto de equilíbrio e ia enclinando pro lado até...levar o maior tombo. Eu caí muitas vezes e apanhei muitas vezes também, até dominar a bicicleta e correr feito uma maluca, inclinando de um lado pro outro. Eu adorava!
Em São Paulo, já cadeirante, minha farra era  ser empurrada por irmãos ou primos o mais rápido possível. Nas curvas, adivinhe: a cadeira ficava numa roda só e lá ia eu pro chão. Todo mundo levava bronca, mas quem disse que parávamos? Era uma farra. Um detalhe: fazíamos isso no corredor do prédio onde morávamos. Prédio antigo, com um elevador no meio e o corredor em volta. Uma pista de corrida perfeita.

Quando não estava correndo em minha cadeira, estava num carrinho de pedalar, novamente com alguém me empurrando.
Volta e meia o zelador vinha bater em nossa porta e reclamar com minha mãe pelas marcas de rodas no chão encerado. Eu fazia a maior cara de inocente...

Aprontávamos muito naquele prédio, desde tocar campainhas alheias,até puxar a porta do elevador pra que parasse entre dois andares. E nós do lado de fora rindo, só soltávamos a porta depois de ouvir os gritos de quem estivesse lá dentro.

Morávamos no Largo do Arouche, em plena avenida movimentada, mas minha mãe não me impedia de ir brincar com as outras crianças na praça em frente.  Meus irmãos atravessavam comigo e brincávamos sem medo. Pensa que tinha adulto olhando, tomando conta? Tinha só o guardador de carros e os vendedores do mercado de flores.

Em casa, todos os filhos eram tratados iguais. Minha mãe era super brava e a gente sabia que se aprontasse, vinha mais que bronca. Ela nunca deixou de brigar comigo depois que fiquei paraplégica, pois sabia bem que minha personalidade continuava intacta.


Na AACD a criançada era fogo também, brincávamos muito. Uma vez, resolvi encrencar com uma menina nova, ela era nordestina e eu ria do sotaque dela. Essa menina se enfezou e um dia, na saída, ela agarrou meu braço, dizendo que não me deixaria ir embora (ela era interna). Eu tremia toda e prometi todas as guloseimas que eu conhecia pra que ela me soltasse. Depois disso, viramos grandes amigas.  Descer a rampa era minha maior felicidade e aposto que a de outras crianças  também.
 

Toda criança é feliz quando pode curtir sua infância. Não importa se andam, rodam, tremem, enxergam, ouvem, são sempre felizes quando recebem o que precisam dos pais. Afinal, criança é criança.


terça-feira, março 09, 2010
Esse ano o Dia Internacional da Mulher foi especial para mim.

Estive presente ao lançamento do projeto Saúde da Mulher com Deficiência, da prefeitura de São Paulo, no Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha.

Fui super bem recebida pelo pessoal responsável pelo evento e, apesar da canseira (horas fora de casa), fiquei feliz por ter feito parte e contribuído um pouquinho.

Inicialmente fui como convidada a dar uma palestra aos profissionais da saúde, sobre as gestações e partos que tive, mas, acabei dando algumas entrevistas também.

Ao contrário do que muitos pensam, não somos seres intocáveis. Namoramos, casamos, temos filhos e precisamos, também, de acompanhamento ginecológico.

Eu realmente gostei demais da iniciativa da prefeitura. Fiquei surpresa com os equipamentos e muito feliz em imaginar os benefícios que trarão às mulheres atendidas

Foi um passo importante em direção à mudança da forma como a mulher com deficiência é vista.

A gente fala tanto, luta tanto que quando algo bom acontece, tem que ser divulgado.

http://videos.r7.com/mulheres-portadoras-de-deficiencia-fisica-ganham-hospital-especializado-em-sp/idmedia/79d8b04ea2feb42785d8966ff0603870.html
 
 
http://www.jt.com.br/editorias/2010/03/09/ger-1.94.4.20100309.19.1.xml
 

quarta-feira, março 03, 2010
Mais um dia na vida de uma mãe

Há alguns anos, escrevi sobre meu dia de mãe. Felipe era pequenino, não ia à escola ainda, usava fraldas, era mais dependente, assistia Barney. Ricardo trazia bilhetes da escola, brincava de LEGO, cabia em meu colo. Três anos se passaram, os meninos cresceram, Ricardo já não pega mais carona pra ir pra cama, Felipe já assiste os mesmos desenhos que o irmão, já está no primeiro ano, usa perfume. Minha correria aumentou, os cabelos brancos também, mas meu amor por eles continua sem dimensão...


Mal acordo, já estou de olho no relógio, pensando no que fazer para o almoço dos meninos, no que por nas lancheiras. Tomo um leite e já vou separar a roupa pra lavar, enquanto os meninos não acordam.

Eles acordam, beijos e abraços, e lá vou eu dar café da manhã para os dois. Ponho a roupa na máquina. Pego Felipe pra fazer lição na sala e Ricardo na cozinha. Lições feitas, volto pra cozinha e começo o almoço. Separo uma briga daqui, dou uns berros ali, espio o que estão fazendo e lá se vai a hora.

Começa a correria: fazer meninos almoçarem, escovar os dentes, vestir uniforme e verificarem mochilas, enquanto faço as lancheiras. Tudo tem de estar pronto às 12:30h, para esperar a perua escolar. A perua chega, beijos e abraços, vão pra escola.

Ufa! Vou respirar. Volto pra cozinha e a bagunça me prende. Lembro que não almocei, como qualquer coisa e vou pra sala, ver um pouco de TV. Na sala, vejo a bagunça deles. Começo a arrumar e limpar. Melhor ver TV no quarto. Dou de cara com o cesto de roupa pra passar. Passo parte das roupas, dou um “tapa” nos quartos e nos banheiros, sempre de olho no relógio. Ainda bem que meus alunos ainda não precisam de mim. Volto pra cozinha, hora de fazer o jantar. Os meninos chegarão em uma hora, famintos.

Eles chegam, beijos e abraços, um vai pra TV, outro pro computador. Um me chama e diz que quer panquecas iguais as do desenho, o outro pra eu ver como ficou o jogo que está fazendo no computador. Vejo o jogo, prometo as panquecas pro sábado e peço pra Ricardo achar a receita pra mim na Web. Jantam. Lavo a louça, vejo se eles têm lição de casa e começa a briga pelo banho. Os dois de banho tomado e com pijama, Benê chega. Enquanto jantamos, vejo TV.

Hora de irem pra cama. Estão com fome de novo. Comem, escovam dentes, deitam. Felipe “precisa” de minha mão para dormir. Conto uma história, rezamos. Os dois, no escuro, começam a tagarelar, dar risadas e eu lá, segurando a mão. Dou umas broncas, ameaço sair, dizem que me amam e lá pelas 23h deixo os dois dormindo.
 Os dias não são todos iguais. Às vezes, deixo a bagunça de lado pra escrever ou brincar com os filhotes.
A verdade é que, quando o dia termina, agradeço a  Deus por minha família e por saber que minha vida de mãe cadeirante é tão feliz e louca como a de muitas outras mães por aí.