'Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, não fora a mágica presença das estrelas!" (Mário Quintana)
 

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sábado, abril 19, 2014
Só sei que Nada sei

    Até pouquíssimo tempo, eu achava que entendia muito sobre pessoas com deficiência, especialmente cadeirantes. Cheguei a quase discutir com um amigo por ele ter uma visão diferente da minha. Ele, sem deficiência, acredita que “experimentar” situações que pessoas com deficiência vivem, ajuda na conscientização das dificuldades que os que têm deficiência passam. Nosso embate foi porque insisti em dizer que esse tipo de coisa não causa efeito algum.

    Mas, de uns meses pra cá, ando pensando sobre o que eu realmente sei e o quanto sei. Como eu poderia ter certeza da reação de outras pessoas após uma experiência diferente? Concluí que eu, de fato, nesse caso, não tenho ideia do que uma pessoa sem deficiência poderia tirar de aprendizado após tais simulações. Pode ser que alguns se comovam, reforçando a imagem do “deficiente coitadinho”. Talvez alguns saiam achando que quem tem deficiência é herói! Pode haver aqueles que se identifiquem com a luta por acessibilidade e se engaje nela ou apenas leve o assunto adiante. E pode haver também àqueles a quem não faça diferença alguma.

    Tudo bem, não daria pra saber como o “lado de lá” reagiria diante de uma dificuldade “nossa”, mas de cadeirantes eu sabia, afinal, estamos no mesmo barco.
    Foi então que soube que meu amigo Renato, cadeirante como eu, teve trombose e ficou um mês deitado. Imaginei como Renato ficou, não podendo sair da cama por um mês e, imediatamente, pensei em como seria isso pra mim que cuido de dois filhos, casa, marido, alunos. Aí, me dei conta de que, apesar de ambos sermos cadeirantes, nossas vidas são completamente diferentes e os acontecimentos, sejam quais forem, têm impactos diferentes nelas.

    Entendi o porquê de me sentir meio peixe fora d’água quando falam de cadeirantes como uma coisa só, um grupo homogêneo. Minha vida, minhas experiências são únicas e ninguém além de mim, seja cadeirante ou não, entende minhas lutas e dificuldades diárias. Também eu, não posso saber como é a vida de outras pessoas com deficiência. Nossas deficiências nos identificam e unem, enquanto grupo que luta por direitos, que discute problemas gerais e busca soluções aos mesmos, mas nos diferencia por termos vivências diferentes, especificidades diferentes, por sermos únicos, mesmo quando a deficiência  parece ser igual.

    Para completar, após ouvir a Anahí e outras pessoas falando sobre gênero e deficiência, numa mesa de discussão, vi que há um mundo imenso de questões sobre as quais nunca pensei, por não fazerem parte de minha vivência e que a luta vai muito além da acessibilidade e inclusão.
E eu que achava que sabia muito, fiquei pequenina diante desse mundo desconhecido e hoje só sei que nada sei.

Marcela Cálamo

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De volta à SACI
Eu Não quero ser atleta

    Cadeirante desde os seis anos, fiz fisioterapia no período de reabilitação e uns poucos meses em casa. A vida seguiu e deixei essa coisa de fisioterapia pra lá.

    A vida seguiu mais adiante, minhas atividades físicas passaram a ser as mesmas de qualquer pessoa que cuida de casa, filhos, marido. Não posso dizer que vivia uma vida sedentária, pois vivia atrás de filhos, subindo e descendo as rampas de minha casa, no entanto, não era exatamente uma atividade física. Tarefas rotineiras, cansativas, mas de poucos benefícios.

    Numa das voltas da vida, saí da casa onde morava pra morar num condomínio. Morando no térreo, num apartamento menor do que a casa, mais fácil de limpar, arrumar, fui me sentindo preguiçosa, sedentária. E veio, pela primeira vez, a ideia de procurar alguém que me ajudasse a sair desse sedentarismo, um personal trainer.

    Eu não queria ser atleta. Não queria fazer natação, ping-pong, corrida, como as pessoas que a mídia mostra, só queria me movimentar pra ganhar qualidade de vida e perder peso.
Como mágica, Jailson apareceu. Ele postou na comunidade do condomínio no  Facebook que dava aulas de treinamento funcional para cadeirantes. Eu nunca tinha ouvido falar nisso, mas entrei em contato imediatamente. Eu seria sua primeira aluna, aprenderíamos juntos. Foi então que minha vida começou a mudar...

    Começamos, em agosto, a treinar com elásticos, bola, pesinhos etc, testando força, equilíbrio, agilidade. No começo tudo era difícil, mas fui vencendo as etapas. Saímos da sala de ginástica e passamos a usar a pista de bocha. Começamos com os circuitos com exercícios variados. Corridas rápidas, paradas bruscas (reativei a rodinha anti-tombo), rodar de ré, contornar cones, enfim, atividades que fazem parte de meu dia a dia, mas nem percebo.
No Natal, uma surpresa: sem perceber estava usando as duas mãos ao mesmo tempo, com braços erguidos sem apoio, pra fazer um doce. Comecei a observar meus ganhos: lavar a cabeça com as duas mãos, me abaixar para pegar algo do chão e levantar quase sem apoio, fazer movimentos com o tronco que jamais fiz, aumento de força e outros mais.

    Continuamos em frente, fazendo treinos com circuitos de exercícios variados, corridas contra o tempo, exercícios com corda, com Jailson sempre impondo um novo desafio com  dificuldade e intensidade crescentes.

    Penso em tantos outros cadeirantes que, assim como eu, não querem ser atletas, mas sentem necessidade de se movimentar, de ter ajuda de um profissional mas não acham um “Jailson” ou não têm espaço adequado ao exercício.. Penso em quantos “Jailsons” têm qualificação, vontade de praticar seus conhecimentos, mas não acham uma “Marcela” para treinar.

    E penso, enfim, que eu, cadeirante há mais de 40 anos, que só queria perder uns quilos, achando que minha condição física era estática, surpreendo-me a cada evolução e torço para que mais e mais pessoas descubram o  treinamento funcional e surpreendam-se também.

Marcela Cálamo