'Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, não fora a mágica presença das estrelas!" (Mário Quintana)
 

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quinta-feira, janeiro 29, 2004
Carcinoma basocelular
Marquei a cirurgia. Será dia sete de fevereiro, sábado, às nove da manhã.
Eu deixei um link para uma página que explica o que é o basocelular, mas acho que foram poucas as pessoas que leram. Então, vou explicar um pouquinho.
O carcinoma basocelular é um tumor maligno, um câncer de pele, mas, dentre todos os tipos, ele é o mais brando, pois não se espalha. Mesmo não dando metástase, precisa ser retirado, pois pode se infiltrar, destruindo tecidos. Sua ocorrência é mais comum nas pessoas de pele clara e seu surgimento tem relação direta com a exposição acumulativa da pele à radiação solar durante a vida.
Portanto, o aparecimento desse tipo de câncer tem a ver com a falta de cuidado, de proteção ao se expor ao sol.
Quem me conhece se espanta com o resultado, pois sabe que, por não transpirar, fujo de sol no verão.
Sim, a vida toda fugi do sol nos dias mais quentes, mas, por outro lado, abusei de cada raio dele nos dias frios, para me esquentar, expondo, principalmente, meu rosto. Resultado: vou retirar o terceiro basoceluar, num período de sete anos, o último foi há um ano.
Sei exatamente como será a cirurgia, o tumor será totalmente removido com anestesia local e sem necessidade de permanência no hospital e qualquer tratamento posterior. Sei também que a cicatriz desaparece com o tempo (as duas que tive desapareceram).
Então, o que me amedronta?
Hospital, internação, anestesia, não ter Benê ao meu lado para apertar sua mão...essa será a terceira cirurgia que passo num intervalo de um ano, dá pra cansar, né?
Da última vez, fiquei tão apavorada quando o médico falou que me sedaria (tinha medo de ser posta pra dormir), que ele acabou não me sedando. Foi uma grande burrada minha. Fiquei tão tensa durante toda a cirurgia, que pensei que teria um treco ali, fora a dor da maledeta anestesia. Sem contar que, menos de dois meses depois, estava tomando anestesia geral para a colocação de uma placa de platina numa perna quebrada. Nessa ocasião, lembrei-me do medo de ser sedada, na cirurgia do rosto, e me senti uma tonta.
Dessa vez, larguei mão de ser besta e pedi a sedação. Quero mais é dormir e só acordar quando tudo estiver terminado.

segunda-feira, janeiro 26, 2004
Movido a alto astral
Conheci Toshi, há pouco mais de uma semana. Ele, pesquisando sobre deficiência, caiu no Maré e contou-me um pouquinho de sua história num comentário que deixou:
"Olá..achei seu blog no google e me impressionei com as coisas que vc escreve, muito bacana.
Estou no Japão e me tratando de um câncer (Sarcoma de Ewing)que me deixou sem movimentos do peito para baixo. Eu obtive melhoras surpreendentes e recaídas assustadoras, estava andando com muletas antes do natal muito contente e seguindo com as etapas da quimio, logo as dores começaram e em questão de três dias aqui estou eu acamado e sem movimentos e sensibilidade do peito até a ponta doa pés...Tenho 20 anos e sei como é difícil passar por tudo isso e a incerteza se um dia volto a andar ou não, o tumor pressiona minha medula espinhal e causa todo esse estrago...mas tenho muita fé e não posso desanimar pq existem pessoas como vc que mesmo com todas as dificuldades leva a vida com muita alegria de viver...eu li boa parte do blog e como imagino como é importante uma estrutura para os deficientes no Brasil...aqui no Japão não é uma maravilha, mas temos acesso maior as coisas e são cientes dos problemas enfrentados por essas pessoas. Um dia pretendo voltar para o Brasil, ainda vai demorar pq vou começar o tratamento do zero e usar uma quimio mais forte...ruim, mas é assim mesmo..temos que enfrentar...Tudo de bom e muita paz para vc e sua família...
TOSHI"

Fui então, conhecer o blog do Toshi e vi que ele é um menino iluminado. Sempre bem humorado, esperançoso, alto astral e passando somente coisas boas a quem o lê. Não tem chororô por lá não, mesmo quando conta coisas de seu tratamento e efeitos.
Depois de algumas visitas e e-mails trocados, convidei-o a escrever para a Rede SACI, falando sobre a acessibilidade no Japão. Ele não só aceitou, como escreveu o texto no dia seguinte.
Convido os amigos, leitores do Maré, a conhecerem um pouco do Japão, através do texto do Toshi na SACI e também a visitá-lo e a deixar um oi para ele.

domingo, janeiro 25, 2004
Tragicômico
Sexta-feira fui retirar os pontos do rosto, da biópsia. Meu médico tinha dito que poderia ir a qualquer hospital, então lá fomos nós, Benê e eu, em um dos dois únicos hospitais credenciados por nosso convênio aqui em Guarulhos. Descobrimos que o mais próximo de casa havia fechado e só nos restou a outra opção.
Depois de um tempinho de espera, enfim, uma médica me atendeu. Após me examinar, me liberou para a retirada dos pontos.
Fui para uma salinha onde um enfermeiro me atendeu. Aí, começou o momento comédia da noite. Após tomar milhões de cuidados ao vestir as luvas, para não contaminá-la, o rapaz começou a abrir portas e gavetas para pegar o material necessário. Nessa altura, considerando todos os lugares onde ele encostou as luvas, se estivesse sem elas daria na mesma. Começou, então, a abrir os pacotinhos de gaze e de bisturi, com todo cuidado, claro, e a fazer graça para tentar me descontrair. Imaginem alguém com um bisturi quase encostando em seu rosto e te dizendo "Está doendo? Se estiver você me fala para eu rir, senão não tem graça.". Eu, imóvel, com medo do bisturi na mão dele, nem podia responder à altura. A cada ponto retirado, o enfermeiro cuidadoso, apoiava o bisturi no lençol, que, naturalmente, devia ser anti-séptico..
Algumas gracinhas depois, finalmente retirou todos os pontos, o que foi quase um parto de tanto que demorou. Quando terminou, ele me informou que colocaria microporo na região dos pontos, para evitar que um inseto pousasse lá e a infectasse. Então, para finalizar a assepsia perfeita, foi cortando pedaços de microporo e colando numa mesinha, para só então, colar em meu rosto.
Nada como estar nas mãos de profissionais bons e dedicados...

terça-feira, janeiro 20, 2004
Dar exemplos, todo mundo pode
Sempre achei curiosa a forma como as pessoas me tomam como exemplo de vida quando me conhecem e sabem que minha vida é igual a de qualquer outra pessoa. Sou casada, tenho um filho lindo, cuido sozinha das tarefas domésticas, do marido e do filhote, dou aulas, estudo, passeio, enfim, tenho uma vida comum, independentemente de minha paraplegia. Na verdade, este meu espanto deve-se ao fato de não ter me dado conta, até bem pouco tempo, que a falta de convivência com portadores de deficiência é que traz a idéia errada da vida que levamos.
Alguns acham que nossa dependência é total, que não podemos fazer nada sem ajuda, que somos pessoas infelizes, depressivas, reclusas, solitárias. A verdade está longe disso.
Claro que ainda são poucos os com necessidades especiais mostrando a cara por aí. Mas, se a reclusão de muitos ainda acontece, esta, na maioria das vezes, não é voluntária, e sim uma questão muito mais social do que pessoal, devido a dificuldades financeiras e de transporte, entre outros fatores.
Graças a muita luta, as dificuldades e as barreiras que enfrentamos estão diminuindo, facilitando nossa exposição e inclusão e, consequentemente, a mudança da opinião alheia.
Sempre fui avessa à idéia de ser vista como exemplo, justamente por não ver nada de especial na forma como levo a vida. Não gosto do rótulo "exemplo de vida", pois rótulos não acrescentam nada a ninguém, apenas fazem com que te citem como alguém que age de forma supostamente superior.
Mas, minha opinião se transformou, depois que comecei a me mostrar no blog. Continuo não querendo ser exemplo, mas aprendi a importância de dar exemplo.
Dar exemplo é se expor, não só fisicamente, enfrentando olhares, preconceitos e mostrando que limitações não significam uma vida infeliz, mas expor, também, pensamentos, opiniões, atitudes concretas e postura diante da vida, repartindo o que se tem de melhor e as fraquezas também, para não ser visto como um ser perfeito, melhor ou mais forte que outros.
Tem uma frase bíblica que, desde que ouvi, nunca me deixou: "Fé sem obras não tem valor". Assim também eu penso. A admiração isolada não tem valor se não provoca transformações naqueles que a sentem. Bons exemplos podem trazer não só admiração, mas também fazer com que outros repensem seus conceitos e atitudes, provocando essas transformações, que serão novos exemplos, que mais transformações provocarão.
Dar exemplo é oferecer o que se tem de melhor, mostrando que todo mundo tem sempre algo bom a ofertar, e isso todo mundo pode fazer.


domingo, janeiro 18, 2004
Reinações de Ricardinho
Ricardinho nasceu com alma de inventor. Vira e mexe diz que vai inventar máquina disso, máquina daquilo, tem sempre solução pra qualquer problema que apareça. Sua maior diversão é ficar no porão com o avô, em meio a ferramentas e tranqueiras que ele diz que são peças das máquinas que pretende construir.
Outro dia, após ouvir a avó contando que se queimou no ferro de passar roupas, Ricardinho diz:
- Mamãe, vou inventar um protetor solar contra queimadura de ferro.

Como ninguém pensou nisso antes?

terça-feira, janeiro 13, 2004
A que somos chamados?
Quando eu tinha uns dezessete anos, minha amiga Mary convidou-me a conhecer e participar do grupo de jovens que ela frequentava numa paróquia próxima de nossas casas. Nessa época, minha vida se resumia às atividades escolares e à vida familiar.
Comecei a frequentar o grupo e meu mundo cresceu assustadoramente, não só pelas atividades e assuntos tratados, mas, sobretudo, pela convivência com pessoas especiais. Eram coordenadores de grupos, integrantes de pastorais, como a pastoral do menor, e muitas outras pessoas que eu admirava pela inteligência e trabalho. A convivência com padres era muito grande. Era uma convivência muito diferente daquela que quem estava de fora podia imaginar. Nós, os jovens dos grupos, e os padres éramos amigos próximos. Nenhum de nós via num padre um ser santo e distante. Não, eram nossos amigos, com quem conversavámos quando precisávamos, brincávamos e ríamos, saíamos para comer pizza, enfim, pessoas comuns, cuja vocação era a religiosa.
Por ter tido essa experiência, não estranhei quando conheci João, no chat que eu frequentava, e ele me contou ser um padre. Desde o primeiro papo, nos demos super bem e, com o tempo, nos tornamos amigos. O pessoal da sala de chat, não acreditava que ele era mesmo padre, pelo simples fato de ele ser super alegre, brincalhão, comos todos ali.
Poucos da sala se conheciam pessoalmente, então, foi marcado um encontro para que mais pessoas se conhecessem. Onde? Na igreja onde João celebraria uma missa, assim, todos tirariam a dúvida sobre ele.
Fiquei emocionada ao vê-lo no altar e ansiosa pelo final da missa para abraçá-lo forte, como faço com os amigos mais queridos.
A missa acabou e nosso grupo ficou à espera dele. Todos ficaram sem graça diante dele, cumprimentando-o respeitosamente, cheios de cerimônia. Fiz questão de ser a última da fila, aí, estiquei os braços e o abracei forte, dando um beijo estalado em seu rosto. Foi um encontro duplamente engraçado. Primeiro porque, sendo meu primeiro encontro com o povo, me olhavam meio de lado, por não saberem bem como lidar com minha deficiência, como se eu fosse uma ilusão (paraplégica, casada e feliz), depois pela forma como se portaram diante do João. Outros encontros vieram e João era sempre um dos mais queridos na turma, que já o encarava de forma natural.
João, entrou para o seminário aos treze anos, juntamente com seus primos. Meninos de cidade pequena viram na Igreja uma forma de ampliarem seus horizontes. O tempo passou, os primos foram deixando o seminário, mas João ficou. Até os 34 anos, quando, depois de conflitos e aflições pessoais, decidiu se afastar por um ano e descobrir sua verdadeira vocação e missão.
Nesse período fora, descobriu que tinha vocação para amar, não só a Deus e a humanidade como um todo, mas a alguém específico, e deixou de vez a vida religiosa.
Sábado passado (10/01), tive a felicidade de testemunhar o casamento de meu querido amigo João.
Aos 38 anos, ele uniu-se ao amor de sua vida. Esse amor e união abençoados não teriam sido possíveis se João, mesmo em meio às dificuldades de mudanças radicais, não tivesse tido a coragem de deixar uma vida, uma história toda, para trás, para descobrir o que Deus queria, verdadeiramente, para ele.
Acredito que haja sempre algo especial a nossa espera, capaz de nos fazer felizes, plenos, mas é preciso ter coragem, como no exemplo de João, de sair do comodismo daquilo que já está pronto e estabelecido. A vida não é pronta, estática, estabelecida, vai sendo construída a cada ato nosso. Cabe a cada um construí-la, escolhendo a coragem ou o comodismo e, dependendo da escolha, viver plenamente ou não.

segunda-feira, janeiro 05, 2004
Ricardinho e a música
Desde muito pequeno, Ricardinho adora música. Tínhamos um calendário cheio de fotos de instrumentos musicais, como violino, trompete, flauta, e ele conhecia todos, aos dois de idade, dizendo que queria ser violinista.
Hoje, aos quase cinco anos, continua encantado por tudo que tenha a ver com música, principalmente os instrumentos. Tem teclado (que um dia foi meu), saxofone e xilofone de brinquedo, guitarra, transforma qualquer coisa em bateria e vive cantando e dançando.
Música para ele não é só para ser decorada e repetida, pois sempre quer entender o significado da letra, como nas histórias. Ele esmiuça a letra e a interpreta. chegando a trocar palavras que não se lembre, enquanto canta, por sinônimos. Se há na letra algo que não compreenda, palavra ou expressão, não deixa passar, pergunta.
Sua memorização é fantástica. Uma das músicas que cantamos juntos é "Carinhoso", cuja letra ele sabe toda.
Nesse Natal, ele me ouviu cantar três vezes a música Gentileza, acompanhando um DVD da Marisa Monte, e na terceira vez, quando errei um trecho, ele me corrigiu. No dia seguinte, ele estava cantarolando partes da música e me pediu para ensinar tudo.
Ontem à noite, no momento em que ficamos no quarto papeando antes de ele dormir, começou a cantar "Gentileza" novamente e quando chegou no trecho "Apagaram tudo/ Pintaram tudo de cinza/ Só ficou no muro tristeza e tinta fresca.", ele me perguntou:
- Mamãe, como é que se deixa tristeza num muro?

Encantada com sua percepção , dei minha explicação, que foi seguida por seus comentários, mostrando que havia entendido completamente como se deixa tristeza num muro.