'Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, não fora a mágica presença das estrelas!" (Mário Quintana)
 

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terça-feira, março 30, 2004
O Amor da minha vida
Um dia, pedi a Deus um presente: um filho. Em menos de um ano após meu pedido, meu presente chegava: no dia trinta de março, às 8:45 h, nascia meu filho. Nasceu tão pequenino, apenas 47,5 cm, cabeludo e meio dormindo por efeito do tipo de anestesia que tomei. Ficou em observação e só pude pegá-lo muitas horas depois. Mas, a caminho do quarto, depois do parto, pude ver sua carinha no berçário: tinha a carinha do pai.
Enfim, às 17:00 h, pude vê-lo, pegá-lo, aninhá-lo em meu colo. Não era sonho, pois nem nos mais belos sonhos poderia ser tão feliz. Meu filho em meus braços, a mais bela realidade.

Benê, um pai abobado. Tirou férias e não deixou ninguém mais cuidar do filhote. Dava banho, cuidado do umbigo, trocava fraldas. Tivesse ele um peito com leite, com certeza assumiria essa parte também.


Eu, mãe de primeira viagem e sem alguém experiente ao lado, quase matei meu filho de fome. Ele mamava o tempo todo e chorava muito, achávamos que era dor de barriga, afinal todo bebê sofre com cólicas, e apelávamos para as gotinhas mágicas. Aquilo devia dar sono, sei lá, e ele parava de chorar e dormia. Passei o primeiro mês de vida dele sem dormir, com ele no colo mamando a noite todo, ou melhor, tentando, pois eu quase não tinha leite.

Um mês e meio passou e ele não engordava. Volta ao pediatra, foi pesado: 100 g em um mês. Nossa! Era hora de recorrer à mamadeira. Assim que sentiu o leite saindo mamadeira à fora, desesperou-se e mamou, mamou, mamou, acho até que apaixonou-se, pois ainda hoje não consegui tirá-la dele. Começou a crescer e ficar fofinho, forte.

E foi crescendo...


crescendo...




E, de tanto crescer...

transformou-se num moço,

que nos enche de felicidade com seu carinho, encanto e reinações.
Parabéns amor da minha vida, por seus cinco lindos anos de vida!!!!

segunda-feira, março 22, 2004
Reinações de Ricardinho
I-
O avô de Ricardinho fazendo palavras cruzadas. De repente, uma pergunta cuja resposta não sabe.
- Ricardinho, como é que se chama uma página na Internet?
Ele, imediatamente e sem a menor dúvida, responde:
- "Saite!"
II-
- Mamãe, eu acho que algumas pinturas do Picasso ficaram "meia boca".
- Por que, filhinho??
- Porque ficaram mal feitas.
- Quais???
- Por exemplo, aquela da mulher atirando pedra. Aquilo não se parece nada com uma mulher! E também aquela dos três embaixo da árvore, ele desenhou a árvore errado, fez as folhas até o chão!
- ...
E vou falar o que?

quinta-feira, março 18, 2004
Somos todos iguais, cada um com suas diferenças
No final do ano, próximo ao Natal, Benê, Ricardinho e eu fomos à praia. Eu, que estava às vésperas de retirar um terceiro tumor de pele de meu rosto, fiquei bem protegida numa sombrinha, enquanto Ricardinho fazia farra com Benê na água. Enquanto eles brincavam, eu os observava. Na beirada, pulavam ondas, se jogavam no mar, cobriam-se com areia molhada; mais para dentro, Benê o segurava e, quando a onda vinha, o levantava bem alto e filhote ria gostoso.
Enquanto os observava, comecei a refletir sobre algumas coisas que conheci há pouco tempo. Lembrei-me das perguntas e do pensamento de algumas pessoas com quem conversei no chat para deficientes. Uma pergunta que sempre me faziam era se meu marido também era deficiente. Na primeira vez, achei a pergunta sem o menor sentido, não conseguia entender o porquê dela. Com o tempo e com a frequencia com que me perguntavam isso, comecei a perceber o que ia na cabeça de algumas pessoas ali e a entender melhor o motivo da tal pergunta. Essas pessoas, achavam natural que um portador de deficiência procurasse se unir a outro cuja deficiência fosse igual ou parecida a sua, por acharem que assim seriam melhor compreendidos e, consequentemente, mais felizes. Não tenho nada contra quem se une a alguém "igual", mas, o que não entendo é o pensamento de que com o "igual" a chance de ser feliz será maior. Crescemos convivendo com pessoas cujas crenças, pensamentos, cultura, limitações são diferentes das nossas. Conviver com diferenças sempre nos fazem crescer, sejam elas quais forem, e a ação contrária gera discriminação, grupos fechados, guetos. Então, por que alguns portadores de deficiência acreditam que só serão aceitos e felizes unindo-se a outros portadores de deficiência? Pensei muito sobre isso, tanto que demorei meses para escrever este texto. E, depois de muito pensar, cheguei a conclusão de que não sei a resposta e, se um dia souber, jamais a compreenderei, pois minhas experiências, minha vivência não me capacitam para isso. Minha vida, quase toda, foi entre pessoas sem deficiência, jamais as vi como geradoras de insegurança, de incompreensão. Nunca me senti "a deficiente" nos grupos que frequentei e frequento, sempre fui parte do grupo, igual a todos, independentemente de minha condição física. Como todas as pessoas a minha volta não tinham deficiência, se eu pensasse que seria feliz somente com outro deficiente, jamais teria namorado Benê ou qualquer outro e, hoje, não seria tão feliz e não teria o filho lindo que tenho. Além disso, quando vejo meu filho brincando com Benê de coisas que minha paraplegia não permite, vejo o quanto é importante para ele aproveitar o máximo do que cada um de nós, pai e mãe, pode lhe oferecer, e o quanto ele cresce convivendo com pais cheios de diferenças, mas tão iguais.

segunda-feira, março 15, 2004
Picasso na Oca: arte e encantamento*
Desde que soube da exposição das obras de Picasso em Sampa, pensei logo em levar Ricardinho, que adora conhecer coisas novas.
A mostra faz parte das comemorações pelos 450 anos de São Paulo e é a maior exposição com obras de Picasso já feita na América Latina. São 125 obras, entre pinturas, gravuras, colagens, esculturas e cerâmicas).
Depois de muito enrolar e até perder a semana de entrada gratuita, finalmente, Ricardinho, Benê e eu, fomos à exposição.
Foi bem fácil estacionar, pois o estacionamento é gratuito e há três vagas reservadas a deficientes na porta. Não há qualquer dificuldade para se entrar na Oca, pois têm rampinhas de metal com pouca inclinação.
Mesmo não pagando ingresso, precisei pegar um cartão especial e, assim que chegamos, um segurança nos orientou a ir direto ao caixa sem pegar fila. Eu que, por ser uma cadeirante baixinha, sempre sofro com a altura de balcões de atendimento, fiquei super contente ao ver que os da Oca permitem que o cadeirante seja visto.
O encantamento começou logo na entrada: um corredor escuro com espelhos e telas de projeção, onde imagens de Picasso e de suas obras vão se alternando e se misturando com nossas próprias imagens refletidas nos espelhos. Passando esse corredor, tudo fica amplo e mais iluminado e a magia aumenta. Começa-se uma viagem, no tempo e mundo de Picasso. A cada módulo uma nova fase, com explicações escritas nas paredes para que pessoas como eu, que não entendem nada de arte, possam entender melhor o que está por vir. E é impressionante como isso faz diferença! A gente consegue mesmo enxergar aquilo que o pintor quis representar e perceber a diferença de cada fase, após ter lido as explicações. Aprendi a ver, nos rostos pintados por Picasso, mesmo nos mais distorcidos, expressões de dor, sofrimento, desesperança, angústia, serenidade, enfim, sentimento puro e não um monte de linhas retorcidas. O quadro que mais me impressionou, pela expressão de dor e tristeza, foi "La femme qui pleure" ("A mulher que chora"), de 1937.
Apesar do piso ter carpete, dá para tocar a cadeira sem dificuldade, então, pude ver tudo com calma, enquanto Benê mostrava tudo a Ricardinho. Numa determinada escultura, chamada "Cabeça de mulher", Benê fez Ricardinho olhá-la por todos os ângulos e perguntou: "Filhinho, o que você está enxergando?". Ele respondeu: "Uma antena parabólica". Uma senhora que ouviu deu risada e concordou com ele, foi muito engraçado.
Todas as obras são acessíveis ao olhar de todos, inclusive de crianças, algumas até ficam mais claras olhando-se à distância, como a "Três figuras sob uma árvore" (1907), que de perto fica bem confusa, mas quanto mais nos afastamos, mais nítida vai ficando.
A exposição ocupa quatro andares, começando pelo térreo, continuando dois andares acima e terminando no subsolo. Logo que vi as rampas, bastante inclinadas, pensei "coitado do Benê", mas, ao dirigir-me em direção à rampa, fui abordada por um funcionário que indicou-me o elevador. Achei bem legal ver que os funcionários estavam bem orientados e atentos.
No último andar, uma surpresa: "Os Banhistas", seis esculturas Instaladas sobre um espelho d'água. As peças seguem a montagem pensada originalmente por Picasso e vista, até então, apenas no Museu Picasso de Paris. Simplesmente maravilhoso!
Antes de sairmos, fui dar uma espiada no banheiro. Como era de se esperar, o box não era separado dos demais e muito apertado, mal consegui manobrar a cadeira, tendo até que sair dele de ré. Não há espaço para posicionar a cadeira ao lado do vaso e existe apenas uma barra de apoio, que achei distante demais. No banheiro masculino a situação é ainda pior, Benê disse que nem a barra de apoio existe. Um lugar tão lindo e bem feito, bem podia ter um banheiro realmente adaptado e separado dos demais, espaço para isso não falta.
No subsolo, uma brincadeira: O Labirinto do Minotauro. Os corredores amplos me permitiram participar da aventura de entrar e sair de um labirinto. Ricardinho adorou.
Saindo da exposição há a lojinha com as obras estampadas em tudo, camisetas, cadernos, posters. Nossa! Tantas coisas bonitas que dá vontade de comprar tudo!
Como minha intenção era testar toda acessibilidade, fui para a lanchonete, onde o balcão do caixa é bem alto. Depois de enfrentar uma filinha, na minha vez a funcionária encostou-se na cadeira e lá ficou, demorando para me ver e me atender. Eu sei que sou baixinha, mas um balcão mais baixo ali facilitaria muito.
Enfim, a exposição é maravilhosa do começo ao fim. Saímos de lá como os olhos e a alma repletos de beleza e encantamento.
*texto também publicado aqui

Picasso na Oca
Parque do Ibirapuera - Pavilhão da Oca
De 28 de janeiro a 02 de maio de 2004
Terças às sextas, das 9h às 21h e sábados, domingos e feriados, das 10h às 21h.
Preços: R$ 10,00 (R$ 5,00 para estudantes)
Entrada gratuita para crianças até seis anos, maiores de 65 anos, aposentados e portadores de deficiência física

domingo, março 14, 2004
Reinações de Ricardinho
Mamãe, papai e filhinho fazendo farra na cama num domingo de manhã:
- De quem é essa mãozinha gostosa? pergunta filhinho
- É uma aranha! responde papai
- Não é não! É a mão da minha mãe!
- E quem é sua mãe? continua papai
- É uma pessoa comum.
- E o que ela faz?
- Tudo que você faz, só que com mais carinho.

quinta-feira, março 11, 2004
Deficiência, revolução em família*
Revolução. Essa é a palavra que melhor representa o que acontece numa família quando um membro seu adquire uma deficiência. Num primeiro momento, tudo fica de cabeça para baixo. Todos os esforços, todos os recursos, são destinados à reabilitação daquele membro. Nenhum objetivo é mais importante, toda e qualquer outra coisa pode ficar para depois. E, depois de algum tempo, quando pensamos que tudo voltou ao normal, vemos que o "normal" ficou completamente diferente do que era antes, e que todo mundo precisa se adaptar, não só o portador da deficiência.

Em minha família não foi diferente. Quando fiquei paraplégica, aos seis anos de idade, todos em minha família se viram meio perdidos. Éramos quatro irmãos: minha irmã mais velha com sete anos, eu com seis, meu irmão com cinco, e a caçula com três. Quando tudo aconteceu, a atenção e preocupação de minha mãe passaram a ser principalmente comigo. Fiquei internada por quatro meses, dentro dos quais passei quarenta dias na UTI. Naquela época, não se permitiam visitas à UTI. Havia apenas uma janelinha por onde minha mãe podia dar uma espiada em mim, em horários determinados. A vida dela passou a ser velar por mim no hospital. O restante da família ficou em segundo plano, se virando como dava. Todos os recursos financeiros foram gastos com despesas hospitalares.

Tive alta, após os quatro meses, e voltei para casa. Eu tinha chegado a ficar sem movimento algum do pescoço para baixo, mas, ainda no hospital, recuperei os movimentos dos braços e mãos. Quando voltei para casa, não tinha equilíbrio nem força. Só conseguia ficar deitada, usava fraldas, não conseguia fazer mais coisa alguma sozinha. Precisava de reabilitação. Morávamos em Santos, onde, em 1973, não havia muitos recursos para reabilitação. Então, para revolucionar ainda mais, nos mudamos para São Paulo, em busca do melhor para mim. Mudamos sem ter sequer lugar certo onde morar. E nesse momento, mais gente participou da revolução: os parentes que nos deram abrigo. Ficamos na casa de um, na casa de outro, até que meu pai alugasse um apartamento. Eu, finalmente, pude começar minha reabilitação com regularidade.

Nessa época a AACD entrou em minha vida e passou a ser a grande responsável por minha reabilitação, ou melhor, reabilitação familiar, pois, quando um deficiente começa a aprender a se virar melhor, a se adaptar à nova realidade, toda família respira mais aliviada e também participa da reabilitação, aprendendo o que devem ou não fazer para ajudar. Fui ganhando equilíbrio, minha bexiga foi reeducada, e deixei de usar fraldas. Aprendi a me virar sozinha em muitas coisas, convivi com muitas crianças também deficientes, cresci. Orientada a incentivar minha independência, minha mãe era linha dura, e nem sapato colocava em meus pés, por mais que eu demorasse fazendo isso sozinha. Acredito que, nessa fase, outra revolução aconteça, essa mais interior, mas não menos complicada, pois não é fácil para uma família, principalmente para a mãe, assistir passivamente à dificuldade do deficiente em fazer algo sozinho, quando a vontade é de amparar, dar tudo na mão, fazer por ele. Essa é uma missão das mais difíceis, mas, talvez, a mais importante para a conquista de sua independência.

Cada família tem sua história e suas próprias revoluções, mas, não importa o quão diferentes sejam, o que importa é que quem tem família em volta enfrenta quantas revoluções vierem e sempre sai vitorioso!

* texto também publicado aqui


segunda-feira, março 08, 2004
Dia Internacional da Mulher
A Rede SACI pediu-me um pequeno texto, que junto a outros fará parte de uma página especial ao dia de hoje.
Trouxe-o para cá também:

Sempre achei que era privilegiada por vir de uma família de mulheres guerreiras, como minha avó paterna que criou quatro filhos, praticamente sozinha, ou minha avó materna que fez milagre para sair da Itália pós guerra e voltar ao Brasil, sua terra natal, pensando na segurança de sua família, ou como minha mãe. Ah, são tantas as coisas que fazem de minha mãe uma guerreira que se eu e meus irmãos tentássemos descrevê-las não nos sobraria tempo para mais nada.
Mas, hoje, a cada noticiário que assisto, com crianças famintas, adolescentes mortos pelo envolvimento com drogas, e suas mães com olhares de desespero, vejo que ser guerreira não é privilégio, na verdade, é característica determinante das mulheres, principalmente, das mães. Mães que muitas vezes lutam sozinhas por seus filhos, por seus lares, pelo pão de cada dia, numa batalha árdua e desgastante pela sobrevivência.
A cada novo ano, as mulheres se fortalecem com o peso cada vez maior das responsabilidades. Sexo frágil? Não mesmo! Dependentes? Nem pensar!
A todas nós, guerreiras, mães ou não, PARABÉNS!

sexta-feira, março 05, 2004
Reinações de Ricardinho
Arrumando umas bagunças, pergunto ao Benê:
- Esse papel serve para alguma coisa?
- Não, pode jogar fora.
Benê vira para Ricardinho e rindo diz:
- E você, filhindo, serve para alguma coisa?
- Sirvo sim.
- Para que?
- Para fazer a mamãe viver.